A
pandemia de Covid-19 pode causar impactos duradouros na saúde mental de
crianças e adolescentes em todo o mundo. Segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2021
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mais de uma em
cada sete crianças, com idade entre 10 e 19 anos, possui algum
transtorno psicológico agravado pelo contexto da Covid-19.
A pesquisa foi feita com crianças e adultos de 21 países, entre eles o Brasil, no primeiro semestre deste ano.
“No mundo inteiro, milhões de crianças e adolescentes são afetados
por questões relacionadas à ansiedade, depressão, hiperatividade,
tristeza e luto, em função de todo esse contexto que estamos vivendo”,
afirma Mario Volpi, chefe do programa de Cidadania de Adolescentes do
Unicef no Brasil.
Ensino à distância
A adolescente Ana (nome fictício para não ser identificada) de 17
anos está há quase 19 meses em ensino remoto. Ela conta como a pandemia
prejudicou sua saúde mental.
“Desde que a quarentena começou, eu basicamente não saio de casa.
Minha vida escolar e social está quase toda na internet. Isso me faz
muito mal, porque eu fico o dia todo conectada, em casa, sem fazer
exercício físico e sozinha. E com todas essas notícias de vítimas de
Covid-19, a gente acaba ficando paranoico com a situação”, descreve a
jovem, que atualmente faz tratamento com psicólogo e psiquiatra.
Karolina Peres de Oliveira é mãe de duas crianças (4 e 7 anos),
estudantes da rede pública de ensino do Distrito Federal. Ela descreve
as mudanças no comportamento dos filhos durante a pandemia.
“Eles ficaram mais irritados facilmente. Meu filho teve dificuldade
de interagir socialmente e minha filha teve ansiedade. Assim que
começaram as aulas presenciais, eles melhoraram bastante. Meu menino
está voltando a ter prazer em conversar com as pessoas. E minha menina
melhorou da ansiedade.”
A psicóloga Cleuza Barbieri, especialista em desenvolvimento infantil
e adolescente, explica que a ruptura da rotina durante a pandemia
aconteceu em um contexto ameaçador para os pequenos, diferentemente de
uma mudança positiva, quando a criança sai de férias da escola, por
exemplo.
“Nesse caso da pandemia, a ruptura foi muito ameaçadora. As crianças
percebem as emoções dos adultos muito facilmente. E quando os pais estão
ansiosos e preocupados, isso agrava ainda mais a saúde mental das
crianças, jovens e adolescentes.”
De acordo com a psicóloga, os transtornos mais visíveis durante a
pandemia foram ansiedade, entre as crianças menores, e depressão, entre
os adolescentes e jovens adultos. Todo esse contexto também gerou
impactos na qualidade do sono, na alimentação, no humor e até mesmo em
sintomas físicos, como dores de cabeça, no estômago e no corpo, em
geral.
Impactos a longo prazo
O Unicef ressalta que os transtornos mentais infantis podem
prejudicar significativamente a saúde, a educação, as conquistas e, até
mesmo, a capacidade financeira dos jovens no futuro. Segundo análise da
London School of Economics, incluída no relatório, os transtornos
mentais que levam à incapacidade ou à morte de jovens podem causar uma
redução de quase U$ 390 bilhões por ano em contribuições para as
economias.
“Os jovens são muito resilientes. Como uma criança, que não dorme
direito, que está em ameaça ou que está em angústia, consegue se
concentrar para aprender? Se esse conflito e ansiedade forem tratados, a
consequência não é tão grave; elas podem ter um futuro brilhante”,
recomenda a psicóloga Cleuza Barbieri.
A especialista também destaca que o uso em excesso de tecnologias
(celulares, tablets, videogames) sobrecarrega o sistema neuronal e
prejudica o desenvolvimento das crianças.
Para evitar esse quadro, a mãe Karolina incentiva as atividades
recreativas para seus filhos de 4 e 7 anos. “Eu busco trabalhar o lado
artístico deles em casa, com quadros, tintas, papéis para desenhar,
leitura e sem uso de aparelhos eletrônicos”.
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O relatório do Unicef aponta que o Brasil está em oitavo lugar, entre
os países pesquisados, com 22% dos adolescentes sofrendo de algum
transtorno mental, atrás de Camarões (32%), Mali (31%), Indonésia (29%),
Zimbábue (27%), França (24%), Alemanha (24%) e Estados Unidos (24%).
“Essa situação demanda, por parte do Estado e dos governos, uma
atenção especializada para escutar essas crianças e para dar um espaço
de acolhimento, para que elas possam se expressar e entender seus
sentimentos. [É preciso] abordar esse tema da saúde mental sem
preconceito e ter um aconselhamento para enfrentar esses momentos
complexos que estamos vivendo”, aconselha Mario Volpi, porta-voz do
Unicef.
No Atlas da Saúde Mental,
publicado recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que
os governos investem cerca de 2% do orçamento de saúde na área de saúde
mental.
“Todos os postos de saúde deveriam ter plantões de psicólogos,
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, que pudessem acolher as
pessoas sem que elas adoecessem. Se isso fosse feito, economizaríamos
muito dinheiro nas internações e doenças mais graves”, avalia a
psicóloga Cleuza Barbieri.
No Brasil, o Ministério da Saúde disponibilizou mais de R$ 99,2
milhões para serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), para ações
de combate à pandemia. Outros R$ 650 milhões foram repassados para a
aquisição de medicamentos do Componente Básico da Assistência
Farmacêutica utilizados no âmbito da saúde mental, em virtude dos
impactos ocasionados pela Covid-19.
Pode falar
Para ajudar os jovens a se expressarem e entenderem seus sentimentos,
especialmente durante a pandemia, o Unicef lançou o portal podefalar.org.br.
O canal foi criado, em parceria com diversas organizações da sociedade
civil e empresas especializadas, para atender de forma gratuita e
anônima jovens de 13 a 24 anos.
Além disso, qualquer pessoa, que precise de apoio emocional e de
prevenção ao suicídio, pode entrar em contato com o Centro de
Valorização da Vida (CVV) pelo telefone 188 ou pelo site cvv.org.br. Os canais estão disponíveis gratuitamente e com total sigilo, 24 horas todos os dias.